Rui Estrada
Professor da Universidade Fernando Pessoa
Hilary Mantel, autora britânica, terminou, em 2020, com O Espelho e a Luz, a trilogia sobre Thomas Cromwell que iniciara, em 2009, com o título Wolf Hall. Em 2012 tinha publicado O Livro Negro.
Cada um dos volumes acaba com uma decapitação: primeiro de Thomas More, depois de Ana Bolena e, por fim, do próprio Cromwell.
Filho de um cervejeiro e ferreiro boçal, o que a nobreza inglesa fazia questão de evocar a cada passo, Cromwell atinge no reinado de Henrique VIII um poder e uma posição inimagináveis: vice-regente do Rei, Lorde do Selo Privado, Cavaleiro da Ordem da Jarreteira e conde de Essex.
A época de Cromwell, leitor de Maquiavel, é fascinante, sobretudo pela fragilidade e contingência que caracteriza a vida dos humanos: do próprio Cromwell, das seis mulheres de Henrique VIII (duas decapitadas), de Thomas More, de William Tyndale, dos filhos do rei e muitos mais.
Impressionante também por ser o tempo da cisão religiosa na Europa: o luteranismo, a especificidade da posição inglesa e a velha Igreja de Roma.
É justamente à volta destas questões, mas tendo sempre como ponto de partida Cromwell, que Mantel escreve a trilogia. Ficam algumas frases de, ou sobre, Cromwell.
“Diz-se que ele [Cromwell] sabe de cor a totalidade do Novo Testamento, em latim (…)” Wolf Hall, p. 30.
“Como falais bem – diz More. (…). Quando nos encontrarmos no céu, como eu espero que aconteça, todas as nossas divergências serão esquecidas. Mas, por agora, não podemos esperar que elas desapareçam. A vossa tarefa é matar-me. A minha é manter-me vivo. É o meu papel e o meu dever. Tudo o que possuo é o chão sobre o qual me encontro, e esse espaço é Thomas More. Se o quiserdes, tereis de mo tirar. Não podeis, em consciência, acreditar que vou abdicar dele.” Wolf Hall, pp. 643-644.
“Como o filho de um tal homem alcançou a sua presente eminência é uma pergunta que toda a Europa faz.” O Livro Negro, p. 24.
“Somos homens de leis. Queremos a verdade pouco a pouco e só aquelas partes dela que podemos usar.” O Livro Negro, p. 312.
“Disseram-me que sois vós quem manda em tudo [diz para Cromwell o carrasco que se prepara para executar Ana Bolena]. Na verdade brincam comigo, dizendo-me que se eu desmaiar por ela ser tão feia, há um que apanhará a espada, chama-se Cremuel e é um homem e tanto, consegue cortar a cabeça da Hidra, que eu não sei o que é.” O Livro Negro, p. 423.
“Eu não faço nada que não seja com autorização do rei. Sem ela, nem uma mosca mato.” O Espelho e a Luz, p. 206
“Na primeira noite, sozinho, ele tenta rezar. Chapuys tinha-lhe perguntado uma vez: «O que fareis, quando, um dia, Henry se virar contra vós?» e ele respondera-lhe: «Armar-me-ei de paciência e deixarei o resto nas mãos de Deus.»” O Espelho e a Luz, p. 809.