Rui Estrada
Professor da Universidade Fernando Pessoa

Em 28 de Julho de 1794, Maximilien Robespierre, com 36 anos, o jacobino mais conhecido da Revolução Francesa, é guilhotinado na Praça da Revolução, em Paris.

Simon Schama [1] descreve a execução: “O fastidioso profeta da Virtude é empurrado para a prancha por Sanson, com o sangue a manchar-lhe o casaco e as calças de nanquim. Para que a lâmina caia sem nenhuma obstrução, o carrasco arranca a ligadura que lhe mantém o queixo no lugar. Os gritos de dor animalescos são silenciados pela lâmina.” (p. 714).

Um pouco antes, em 5 de Abril de 1794, Danton, compagnon de route de Robespierre, ministro da Justiça da Revolução, era executado, após ter sido sentenciado pelo Tribunal Revolucionário. Diz ao carrasco: “Não te esqueças de mostrar a minha cabeça ao povo. Olha que vale a pena” (p. 695).

Na alegoria Animal Farm, livro publicado em 1945, George Orwell explica em detalhe o destino da marcha revolucionária dos animais da quinta: os porcos, instalados na casa que pertenceu aos humanos, são, no fim do processo em curso, mais iguais do que todos os outros.

Em 2013, no documentário intitulado A imagem que falta, Rithy Panh [2] descreve o horror dos Khmers Vermelhos no Camboja, de 1975 a 1979.

Com a intenção de acabar com a injustiça e com a exploração, a revolução dos Khmers Vermelhos foi plena: deportações, tortura, fome, assassinatos em massa, doutrinação em campos de reeducação, trabalhos forçados. Enfim, uma revolução “tão pura que dispensava os seres humanos” (Rithy Panh, A imagem que falta).

Nas palavras de Pol Pot, o número um dos revolucionários: “Aqueles que não pudermos educar combateremos como inimigos.” (Rithy Panh, A imagem que falta).

Ainda uma passagem do documentário: “Uma criança de 9 anos denuncia a mãe que colheu algumas mangas. A criança grita: “A camarada [ou seja, a mãe] admitiu o seu crime!” A mãe chora em silêncio. Confessar é aceitar morrer, para que a revolução seja justa. (…) A mãe fecha os olhos. Será para guardar uma imagem do filho? Fica em silêncio. Depois, parte para a floresta com alguns guardas. Nunca mais regressa.”

Com edição portuguesa em 2021, o escritor Juan Gabriel Vasquez, na obra intitulada Olhar para trás [3], volta ao tópico da revolução, desta vez na Colômbia, nos anos 70.

Os Cabrera, pai, mãe e dois filhos, passam pelo percurso habitual das revoluções: a resistência, a doutrinação e a acção.

O episódio mais dramático da vivência revolucionária dos Cabrera ocorre com a filha, Marianella, que é sumariamente julgada pela guerrilha a que pertencia. “Acusavam-na de falta de respeito pela figura de Mao, de desvio ideológico, de desprezar a vida armada, de estar contra a China, e, portanto, de ser pró-soviética (…). Chamaram-lhe contra-revolucionária e lembraram-lhe as suas origens burguesas.” Depois da acusação, foi solicitada a Sol, nome revolucionário de Marianella, uma autocrítica. Respondeu: “Autocrítica, uma ova. Mas que mão cheia de imbecis…” (p. 386). Sobreviveu a um tiro pelas costas.

Na parte final do livro, e ainda envolvidos na luta revolucionária, os Cabrera, que já não estavam juntos há muito tempo, encontram-se em uma pequena casa. Decidem então, de formas diferentes, abandonar a revolução: “E agora estavam todos ali, sob o mesmo tecto pela primeira vez em três anos, contando cada um as suas próprias histórias de desencanto e de raiva, tentando pôr em palavras a sensação de que uma força que não conseguiam nomear lhes roubara três anos de vida.” (p. 430).

A “força que não conseguiam nomear”, que regressa sempre e desencanta sempre, é a revolução. O mistério da revolução.


[1] Simon Schama, Cidadãos. Uma Crónica da Revolução Francesa. 2011, Civilização Editora.
[2] Rithy Panh, A imagem que falta, 2013, Camboja, França, 90m, Leopardo Filmes.
[3] Juan Gabriel Vásquez, Olhar para trás, 2021, Alfaguara.

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