Carlos Romero
Jornalista
Ora aqui está um livro muito aconselhável para os tempos que vivemos. Trata de doenças como a sífilis, a tuberculose, o cancro ou a sida, não só do ponto de vista médico, mas sobretudo do modo como as pessoas as carregaram de simbologias e metáforas morais.
A norte-americana Susan Sontag, que a certa altura da sua vida teve um cancro, dá conta de como os portadores da doença se sentiam diminuídos, postos de lado, vistos como vítimas de um castigo de que seriam os primeiros culpados. Em muitos casos, o cancro era, e ainda é hoje, um mal cujo nome não é pronunciável, que se esconde do doente e se revela com ar compungido ao familiar mais próximo. Não se morre de cancro, morre-se de “doença prolongada”.
Como a sífilis, a sida foi encarada como um castigo de uma vida dissoluta, de uma sexualidade selvagem, destemperada. É contra essas metáforas morais que Susan Sontag se insurge. Uma doença é uma doença. Ponto final.
Quando se ouve por aí dizer que o coronavírus é um sinal ou um castigo da natureza ou de Deus, estamos a cair mais uma vez no erro da metáfora moralizante.
Escritora, ensaísta, pensadora, professora universitária, intelectual no sentido mais elevado da palavra, activista pelos direitos humanos, a norte-americana Susan Sontag cruzou-se comigo, amante de fotografia, através de dois ensaios luminosos: Sobre fotografia e Olhando o sofrimento dos outros, publicados em Portugal pela Quetzal. Morreu em Nova Iorque em 2004 com 71 anos.