É paradoxal o que se passa com o silêncio, quando entendido como antónimo de ruído. Os seus benefícios são amplamente reconhecidos e, no entanto, os seus cultores são em número reduzidíssimo. O contra-senso é sobejamente conhecido, mas a investigadora em psicologia Sylvie Chokron, do Laboratório de Psicologia da Percepção, Universidade Paris-Descartes, vem, agora que as férias terminaram, recordá-lo.
Num texto publicado no diário Le Monde, intitulado “O silêncio é de ouro para o cérebro”, a investigadora recorda uma afirmação do explorador norueguês Erling Kagge, que constatou que “o silêncio é talvez o maior dos luxos dos dias de hoje”, e dá conta da existência de “inúmeros estudos que demonstram os efeitos nocivos do ruído na nossa saúde mental, física e cognitiva”. Diz ela que o silêncio é capaz de reduzir a nossa pressão arterial, a nossa frequência cardíaca, bem como o nosso nível de cortisol, e, portanto, o stress. O paradoxo é assinalado a seguir: “Apesar destes dados que destacam claramente os efeitos benéficos do silêncio, muitos de nós já não conseguimos ficar sentados, imóveis, em silêncio, tendo apenas por companhia os nossos pensamentos”.
Sylvie Chokron refere que, numa série de estudos de 2014, Timothy Wilson e os seus colegas do departamento de Psicologia da Universidade da Virgínia descobriram que os estudantes não gostavam de “‘reflectir’ silenciosamente, sozinhos numa sala”. Quinze minutos de recolhimento em silêncio era tão incómodo que, nota a investigadora, muitos participantes preferiam que lhes fosse administrado um choque elétrico, antes considerado tão desagradável que teriam pagado para o evitar. Sylvie Chokron assinala outra experiência mais recente, em 2018, realizada por Nicholas Buttrick que corrobora “que a maioria dos participantes prefere envolver-se em qualquer actividade a não fazer nada, em silêncio”. Ou seja: tudo é mais agradável ​​do que voltar-se para si próprio e pensar sozinho.
Após apresentar outra experiência para demonstrar quão benéficos podem ser os benefícios físicos do silêncio, Sylvie Chokron insiste: “Nunca conseguiremos repeti-lo o bastante: o cérebro, para consolidar memórias, para ser criativo, para resolver problemas, para estar atento, para se concentrar, precisa de vaguear, de flutuar livremente – e, mais ainda, em silêncio”. Deixa, então, um conselho. “Mesmo que não aguentemos que isso nos seja imposto, procuremos confiar em Pitágoras, que recomendou que aprendêssemos a ficar em silêncio para entrar em contacto connosco próprios para alcançar a verdadeira sabedoria”.

Uma persistente e proveitosa apologia do silêncio é o que tem vindo a fazer Alberto Filipe Araújo, professor catedrático aposentado do Instituto de Educação da Universidade do Minho. Os seus livros Silêncio. Iniciação e Transformação e O Poder do Silêncio. Ensaio e Testemunhos, editados pelo Instituto Universitário da Maia em 2018 e 2021, são de leitura indispensável para quem desejar aprofundar razões sobre por que é tão precioso o silêncio – e, evidentemente, que silêncio é, afinal, precioso.
Num mundo submerso por tantos ruídos ensurdecedores, escreve Alberto Filipe Araújo, “a procura de pequenos oásis de silêncio(s) torna-se, em cada dia que passa, mais necessária e urgente” (“Do Silêncio”). É que “o silêncio não é um luxo terapêutico, da moda mindfulness, mas antes indispensável ao bem-estar espiritual de cada um de nós: o meditar, o ser criativo ou imaginativo, o contemplar, o acto de autoconsciência, tudo exige silêncio”. Tal, acrescenta Alberto Filipe Araújo, “não significa que aspiremos e celebremos o(s) silêncio(s) acriticamente porque se há silêncios de oiro, também há aqueles que são de chumbo (o silenciamento das vítimas de todo o tipo de abusos e de torturas, por exemplo)”.
A questão pode ser complexa, mas o essencial é simples. Como também afirma Alberto Filipe Araújo, a busca e a vivência do silêncio é algo de crucial na nossa era do ruído. Sem ele, não há vida interior, nem sabedoria.
Sem um módico de silêncio, não há ninguém dentro de uma pessoa.

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