O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas oferece uma boa oportunidade para estimular a participação cívica dos mais novos; não porque eles são os cidadãos do futuro, como tantas vezes se ouve dizer, mas porque eles são, de facto, já, cidadãos do presente. É necessário envolver as crianças e os jovens nas decisões que se tomam nas escolas, nos municípios, no país e no mundo.
Sérgio Silva, 14 anos, aluno do 9.º ano do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga, dá aqui conta do que pensa sobre o 10 de Junho e sobre as tarefas a que a efeméride nos convoca.

Sérgio Silva
Aluno do 9.º ano do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga

“As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que permitia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;”

Assim começam Os Lusíadas, a célebre epopeia camoniana, este hino de louvor ao povo português escrito por uma das maiores figuras da literatura lusófonas e também um dos maiores poetas da tradição ocidental. Hoje, 10 de junho, celebramos essa figura, Luís de Camões, mas, também, Portugal e todas as Comunidades Portuguesas. Hoje, mais do que nunca, dia em que comemoramos 440 anos da morte de Camões, convém relembrar e ter presente a epopeia que heroifica o nosso povo.
Este Dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas é considerado por alguns um “feriado artificial”, dado que não tem uma importância histórica como o 25 de abril, o 5 de outubro e o 1 de dezembro. Li isto hoje, num artigo de opinião no Expresso. A minha opinião é contrária: celebrar Camões é celebrar Portugal e celebrar as Comunidades Portuguesas. E porquê? Porque, ao recordarmos Camões, recordamos a sua obra e cantamos, assim, um hino de louvor ao nosso povo, ao nosso País, que é Portugal. Por isso, recordar Camões é celebrar Portugal. Ao recordarmos a sua obra, viajamos para a época das descobertas, nas quais o nosso país foi pioneiro, e relembramos todos os marinheiros que descobriram novas terras, espalharam a fé cristã e deram a conhecer os nossos costumes e a nossa língua naquelas que, hoje, são as Comunidades Portuguesas. Assim, celebrar Camões é também celebrar as Comunidades Portuguesas.
Nestes tempos pandémicos, Os Lusíadas devem ser um mote para uma recuperação gradual desta crise sanitária, social e económica que afeta Portugal já que o povo lusitano é um povo de heróis. E também porque, segundo o cardeal Tolentino Mendonça, presidente das cerimónias de hoje, “Camões desconfinou Portugal”.
Também nestes tempos de pandemia, a sociedade (ou parte dela) une-se, manifesta e toma consciência de um problema social que “também é pandemia” – o racismo. Hoje, também devemos relembrar o racismo, pois assinalamos 25 anos da morte de Alcindo Monteiro (cujo nome a Câmara Municipal de Lisboa decidiu perpetuar), jovem negro de 27 anos que foi assassinado, no Chiado, por um grupo da extrema-direita, por ter uma raça diferente. Cito as palavras de José Falcão, dirigente do SOS Racismo, em declaração à Agência Lusa: “Racismo não é só aquele que mata ou bate. É institucional, sistemático e perpetua as diferenças. Continuamos a empurrar os alunos afrodescendentes para o ensino profissional. Continuamos a atirar as pessoas para as periferias das cidades, em bairros sociais onde já chove dentro das casas antes de serem inauguradas, numa estigmatização sistemática”. Não esqueçamos que o racismo também mata e também é, numa perspetiva social, uma pandemia.
A nós, jovens que estudamos Camões, cabe-nos mudar todo este paradigma e tornar Portugal melhor, construindo no presente para, no futuro, tudo ser melhor. Sim, a nós que estudamos Camões que, na sua epopeia, nos alerta também para os problemas que existem na sociedade, não especificamente para o racismo, mas para “a cobiça e a rudeza duma austera, apagada e vil tristeza”. Estes versos de Camões simbolizam, na minha opinião, todas aquelas falhas que necessitam de ser corrigidas, quer sejam sociais, económicas ou outras.
O povo herói manteve-se resiliente e determinado, mas há sempre coisas a mudar e penso que os jovens também têm uma palavrinha a dizer. Está quase a acabar este dia, mas nunca é tarde para homenagear Camões e a sua relevância em Portugal e nas Comunidades Portuguesas.
Viva Portugal!

3 Comments

  • Sandra Raquel Silva

    12/06/2020 - 09:21

    Caro Eduardo Jorge,
    este texto do Sérgio Silva parece vir comprovar que perto estão os tempos em que os jovens novamente se irão mobilizar e participar na sociedade de forma plena.
    Não deixa de ser interessante verificar que, em pleno desconfinamento, um jovem de 14 anos escreva sobre temáticas tão atuais, em vez de fazer fila nas bombas da Galp de Cascais para comprar bebidas alcoólicas. Isto, sim, mereceria destaque em televisão. Até porque exemplos como este mostram que nem todos os nossos jovens vivem mergulhados em apatia e desinteresse político, económico, social, cultural…

  • Eva Ribeiro

    12/06/2020 - 11:09

    Muito bom. Com jovens assim, há esperança num futuro melhor.

  • Maria Teresa Portal Guimarães de Oliveira

    12/06/2020 - 11:19

    Foi uma honra ser professora do Sérgio e continuar a lidar com ele no Interact Club de Caldas das Taipas, já que sou a representante das Novas Gerações do Rotary Club De Caldas das Taipas. Sem dúvida, que estamos perante um jovem que mostra aos outros jovens o que é ser determinado, o que é estar envolvido com a comunidade, o que é “dar de si antes de pensar em si” (lema rotário), o que é ter orgulho em ser Português, o que é ter uma cabeça “arrumada” e saber o que quer, o que é a perspetiva do futuro- o Sérgio vai ser um GRANDE HOMEM. Parabéns pelas tuas palavras, Sérgio. Um beijinho

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