A civilização do peixe-vermelho. Como peixes-vermelhos presos aos ecrãs dos nossos smarthphones é um precioso livro sobre a atenção, editado em Portugal em Outubro pela Gradiva. O autor é Bruno Patino, director editorial da Arte France e director da Escola de Jornalismo do Instituto de Estudos Políticos de Paris. Em pouco mais de uma centena de páginas, o autor apresenta um panorama eloquente sobre o modo como a nossa atenção tem vindo a ser capturada e transformada.
O peixe-vermelho referido no título e retratado na capa serve ao autor para uma comparação de tempos de atenção, estimados pela Google. O peixe é incapaz de manter a atenção fixada para além de oito segundos. “Após estes oito segundinhos, passa à frente e o seu universo mental reinicia-se”. Os humanos “que nasceram com a conexão permanente e cresceram com um ecrã táctil sob os dedos” têm uma capacidade de concentração de nove segundos, mais um segundinho.
O trabalho da Google e das grandes empresas digitais consiste em encontrar formas de manter sempre a atenção aprisionada. O empreendimento de Bruno Patino ao escrever este livro é tornar evidente que, “como o peixe, julgamos descobrir um universo a cada momento, sem nos apercebermos da infernal repetição em que nos enjaulam as interfaces digitais às quais confiamos o recurso mais precioso de que dispomos: o nosso tempo”.
A civilização do peixe-vermelho não é apenas um livro de denúncia dos iscos lançados pelos ecrãs. Bruno Patino oferece também “receitas” para os que pretendam adquirir “uma nova sabedoria, uma nova aprendizagem da liberdade”. Escreve o autor que, “antes, era preciso fugir do mundo para se encontrar Deus; agora, é preciso fugir dos estímulos electrónicos para, finalmente, voltar a estar no mundo”.
Em primeiro lugar, é necessário estabelecer “zonas não conectadas, à imagem das zonas para não fumadores”. Trata-se mesmo, diz Bruno Patino, de “uma questão de saúde pública”. As escolas, espaços consagrados a “receber, celebrar e transmitir”, para usar a trilogia do filósofo Emmanuel Lévinas, que o autor cita, devem eliminar a dependência digital – “o que compreenderam perfeitamente os empreendedores de Silicon Valley, que põem os filhos em estabelecimentos tech free, isto é, sem tecnologia”.
A seguir, impõe-se definir momentos sem conexão e, sobretudo, sem interacção social digital. “O que se aplica aos espaço aplica-se igualmente ao tempo”. Bruno Patino defende que as próprias redes sociais estimulem a desconexão: pausas de dois dias por semana e férias de dois meses por ano.
O autor defende, em terceiro lugar, que as redes sociais, que entraram na escola, as abandonem, para serem substituídas “pela aprendizagem da sua boa utilização, da forma como evitar os seus efeitos nefastos, dos mecanismos de viciação, dos meios de os combater e das lógicas da viralidade”.
Bruno Patino explica, por fim, que a reconquista “de momentos de silêncio sem interrupções e estímulos electrónicos”, conduzirá ao “nascimento de um círculo virtuoso”. Observa o autor que “o nosso modelo de sociedade está estruturalmente voltado para a aceleração, e qualquer medida de abrandamento, independentemente do domínio – a informação, os media, a comunicação (em rede ou não), o próprio consumo -, é uma medida de resistência”. E é também, conclui Bruno Patino, “uma medida de libertação”.
“Sacralizar”, “preservar”, “explicar” e “abrandar” são as quatro receitas de Bruno Patino, que podem muito bem constar do programa de cada um para 2020.