A morte de Eduardo Lourenço suscitou, no estrangeiro, a atenção de diversos jornais e revistas. Em França, por exemplo, a Philosophie Magazine assinalava a “Morte de Eduardo Lourenço, o ‘Edgar Morin português’”, partilhando um texto inédito* do “filósofo poeta”, oferecido à revista pelo seu editor e amigo Michel Chandeigne. Além de considerar Eduardo Lourenço “o Edgar Morin português”, a Philosophie Magazine regista que também o compararam a Jorge Luis Borges. A singularidade dilui-se, mas não se pode dizer que as companhias deslustrem.

Em Espanha, o diário El País dedicou a Eduardo Lourenço metade da página 29 da edição de 2 de Dezembro, considerando-o, no título, como “um pensador da alma portuguesa”. No texto de Antonio Sáez Delgado, professor da Universidade de Évora, destaca-se o iberismo de Eduardo Lourenço e a sua imensa generosidade: “Foi, de facto, um iberista convicto, grande apreciador da cultura espanhola. Todos os que tivemos o privilégio de o conhecer, recordá-lo-emos na primeira fila de uma sala de conferências, com um pequeno caderno ou algumas folhas na mão, a tomar notas com uma letra minúscula de qualquer intervenção. Essa foi a sua gigantesca generosidade. E com um brilho nos olhos que revelava um olhar sempre irónico, divertido com a realidade”.
Para Antonio Sáez Delgado, “se o futuro é a aurora do passado, como escreveu Teixeira de Pascoaes, a obra de Eduardo Lourenço é o alvorecer do pensamento português contemporâneo.”

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* O texto, que Eduardo Lourenço escreveu em Vence, em Setembro de 1983, tinha então 60 anos, foi publicado em Portugal num número especial da revista Prelo (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Maio de 1984):

Só à hora do nosso crepúsculo descobrimos, enfim, que estivemos no paraíso e o vamos perder. Não nos espantou ter sido recebidos por um sol que nos esperava há biliões de anos, pela frescura dos rios e dos prados, pelo silêncio macio das florestas, nem termos reconhecido a árvore da vida plantada mesmo no meio da criação.

Agora que me volto para o lado sem sombra reconheço melhor a torrente de luz que inunda as minhas costas e envolve a recordação de cada um dos meus passos na terra batida ou no asfalto da noite. Nesse passado lembrado como uma morte gotejam as pequenas fontes da infância mais perdidas ainda por minha culpa. Porque não encontrei ninguém que me dissesse que eu vivia no meio do paraíso, rodeado de anjos tão visíveis como postes telegráficos, e incapaz de encontrar a palavra que nos tornasse semelhantes à face de Deus que eles me escondiam para me ajudar a viver.

Era então este o miserável segredo que me ocupou tanta noite de vigília estéril, tanta fadiga à procura do que nunca tinha perdido? Estava no paraíso, estou no paraíso, outrora, agora, mas não para sempre. O meu paraíso está pregado do exterior, como um caixão, abrindo sobre o nada como uma falésia sobre o abismo.

Le Monde recorda Eduardo Lourenço

A morte de Eduardo Lourenço é evocada na página 28 do diário Le Monde datado de 11 de Dezembro.
Eduardo Lourenço pertence à “categoria informal de intelectuais, livres de qualquer ideologia ou rigidez de pensamento, que seguem o seu próprio caminho, para cruzar o universal. Para ele, a cultura é um ‘substituto da transcendência’”, escreve o jornalista Patrick Kéchichian, considerando que Eduardo Lourenço é, por isso, associável aos escritores italianos Claudio Magris e Roberto Calasso.

[actualizado no dia 11 de Dezembro]

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