Desenho extraído do site de Serge Tisseron

Serge Tisseron é um autor com uma qualificada e utilíssima intervenção regular no espaço público. A vasta experiência que tem enquanto psicanalista e pedopsiquiatra é colocada ao serviço de uma reflexão muito atenta sobre, particularmente, os efeitos dos ecrãs. Diversas obras suas, escritas sempre em linguagem acessível, estão publicadas em Portugal e são de leitura recomendável.
Em livros, artigos de imprensa e no seu blogue, Serge Tisseron tem contribuído para uma adequada educação para os media, ajudando a superar, por exemplo, o fosso digital entre filhos e pais. “Adolescentes e pais: o fosso digital” é, aliás, o título de uma entrevista que concedeu a alunos do Clube de Jornalismo do Collège Pierre-Larousse de Toucy para publicação na revista Le Cercle Psy, de Setembro, Outubro e Novembro passados.
Questionado por Émilie, Lisa, Maélys, Noëlie, Noémie, Océane, alunos do terceiro ciclo do ensino básico, sobre os benefícios dos ecrãs, Serge Tisseron distinguiu os que não são interactivos e os que o são. No primeiro caso, encontram-se os do cinema, que são benéficos porque nos ajudam a descobrir o que não sabíamos e a conversar sobre isso com outras pessoas. “Satisfaz-se a curiosidade e alimentam-se conversas”. No caso dos ecrãs interactivos, videojogos, por exemplo, “o interesse é organizar um pequeno grupo, uma comunidade de pessoas que se interessam pela mesma coisa que nós, trocar ideias, desenvolver projetos, debater projetos, debater”. Isto quer as conheçamos fisicamente ou não, quer estejam ou não geograficamente próximas de nós.
Os perigos dos ecrãs também foram analisados na conversa com evidente propósito didáctico. Para Serge Tisseron, os ecrãs não interactivos podem tomar-nos muito tempo e isolar-nos. “Sabe-se quando se liga a televisão, mas não quando se a desliga, o que pode levar a que nos deitemos tarde e acordemos cansados no dia seguinte”. O grande problema com estes ecrãs diz respeito, portanto, à gestão de tempo, e ao impedimento a que se façam outras coisa.
Em relação aos ecrãs interactivos há um perigo adicional: “a tentação de colocar algum dinheiro a troco de benefícios”. O entrevistado dá o exemplo dos videojogos que estão disponíveis gratuitamente na Internet; mas, ao tentar realizar provas mais difíceis, pode acabar-se a pagar para progredir mais rapidamente. “Empobrecemos sem sequer nos darmos conta”.
Serge Tisseron acrescenta um terceiro inconveniente. Os ecrãs são formidáveis quando se está contente com a vida, mas quando se está confrontado com uma dificuldade importante a tentação é usá-los como uma fuga. “Eles são a poção mais extraordinária de esquecimento que existe perante uma realidade difícil”. Referindo que alguns internautas contaram que tinham sido absorvidos pelos ecrãs para esquecer o fim de um namoro, Serge Tisseron deseja que, se a tentação de fugir para os ecrãs aparecer, se acenda “uma pequena lâmpada vermelha” interior, acompanhada por uma recomendação: “‘Não, é melhor falar com alguém’”.
Os entrevistadores quiseram saber como se podem proteger em caso de assédio ou de chantagem na Internet. “A melhor protecção é romper o relacionamento logo que possível e, principalmente, conversar sobre o assunto com colegas ou adultos”. Para Serge Tisseron, não se deve esperar que os assediadores ou chantagistas tomem a iniciativa de parar. Eles não o farão a não ser que sejam denunciados, tenham problemas ou sejam forçados a pensar duas vezes antes de recomeçar. “O assédio começa sempre docemente: o assediador não vai ser abominável no primeiro contacto, ele dirá piadas desagradáveis ambíguas, sem que se perceba muito bem se ele nos maltrata ou não. Pouco a pouco, se se aceitar o jogo dele, ele tornar-se-á cada vez mais maldoso, pegajoso, intrusivo e agressivo”. Importa, assim, aconselha Serge Tisseron, aprender a identificar o assédio desde o início e a denunciá-lo imediatamente. Importa não esquecer que o assédio é um crime, nota o psicanalista e pedopsiquiatra.
O acesso das crianças de tenra idade aos ecrãs tem merecido a reprovação de Serge Tisseron. Questionado sobre como reagir quando colam uma criança das nossas relações a um ecrã antes mesmo de saber falar, o entrevistado observa que ela “não foi comprar o ecrã sozinha ao supermercado”. Portanto, devemos explicar aos pais que todos os estudos evidenciam que os ecrãs nada oferecem a crianças com menos de três anos e impedem mesmo que desenvolvam as suas habilidades motoras, a sua criatividade, a sua relação com o mundo, a sua capacidade de prestar atenção e de concentração e simplesmente a aprender a comunicar com um humano.
Serge Tisseron recorda que este seu combate contra os ecrãs para os mais novos é antigo. Em 2006, lançou mesmo o slogan “Sem televisão antes dos três anos”. Antes dessa idade, acrescenta, também não deve haver qualquer objecto digital. “Se são os teus pais que te dizem que a vida deles é difícil e que ficam tranquilos quando o teu irmãozinho ou irmãzinha olham para um ecrã, podes sempre dizer que te encarregas tu de tratar dele. É inútil arrancar um ecrã das mãos, é suficiente propor outras actividades, incluindo jogos de tabuleiro, gratuitamente disponíveis nas ludotecas”.
Entre outros conselhos que o entrevistado ofereceu aos jovens do Clube de Jornalismo do Collège Pierre-Larousse de Toucy, encontra-se o que os incentiva a conversar com os pais sobre o uso que fazem dos ecrãs. “Muitos pais inquietam-se com os ecrãs porque sentem que os filhos lhes escapam: se lhes falarem sobre o que fazem, mesmo que parcialmente, eles perceberão que os vínculos se mantêm. Tomem a iniciativa de lhes falar, mesmo que não lhes contem tudo. Mostrem-lhes que as ferramentas digitais não vos tornam nem estúpidos, nem insociáveis, e que podem continuar a construir frases correctamente”.
Numa outra ocasião (1), Serge Tisseron tinha já explicado que “as crianças não são espontaneamente atraídas pelos objectos digitais, elas utilizam-nos em primeiro lugar para imitar os pais. É, pois, o interesse do adulto que mobiliza o interesse da criança”. Para o psicanalista e pedopsiquiatra, “os bebés e as crianças têm uma necessidade prioritária de outras coisas, mas não de ecrãs. Têm necessidade de referências espaciais e temporais e os jogos tradicionais e os livros folheados são o que melhor as constrói”.
Não desaconselhando em absoluto os tablets tácteis por considerar que podem desenvolver certas capacidades, como a inteligência intuitiva, Serge Tisseron prescreve que o uso seja limitado e enquadrado. É que, acrescenta, os mais novos podem tirar partido de um ecrã interactivo, mas durante um período muito curto e acompanhado por um adulto. O psiquiatra e psicanalista é de opinião que “um tablet permite diversificar os estímulos e pode, portanto, ser utilizado em complemento de outras actividades, mas não é, em caso algum, uma prioridade para uma criança”.
Os benéficos conselhos de Serge Tisseron merecem ser bem conhecidos e tidos em conta.

(1) Paula Pinto Gomes – “Tablettes numériques, le nouveau ‘doudou’ des enfants”. La Croix, 26 de Novembro de 2012

3‑6‑9‑12. Computadores, telemóveis e tablets. Como crescer e progredir com eles.

Um dos livros de Serge Tisseron editados em Portugal é 3‑6‑9‑12. Computadores, telemóveis e tablets. Como crescer e progredir com eles. No texto introdutório da obra publicada pela Gradiva, o autor adianta uma primeira explicação sobre os números incluídos no título:

“3-6-9-12 é uma regra que evoca claramente quatro etapas essenciais da infância: aos 3 anos é a entrada no pré-escolar; aos 6 no primeiro ciclo; aos 9 é o acesso ao domínio da leitura e da escrita e aos 11-12 a passagem para o segundo ciclo. Mas é também um excelente ponto de referência para saber em que idade e como introduzir os diferentes ecrãs na vida dos nossos filhos. Do mesmo modo que existem regras para a introdução dos lacticínios, dos legumes e da carne na alimentação de uma criança, também é possível conceber uma dieta de ecrãs, para aprender a usá-los correctamente, tal como aprendemos a alimentar-nos bem. Mas para isso será necessário resistir a duas tentações: as tentações de idealizar e de demonizar estas tecnologias. De facto, esperar milagres dos ecrãs seria tão inútil como querer passar sem eles. São apenas ferramentas. Não se lhes peça mais do que aquilo que podem dar, mas aprenda-se a pedir tudo o que têm para nos oferecer! E, para começar, introduzam-se no momento certo e no seu devido lugar.
No entanto, devemos reconhecer que estabelecer um roteiro de ecrãs para cada idade está longe de ser fácil. Tudo depende da maturidade da criança, da relação que tem com os pais e do que é normal fazer-se em casa, na escola e com os amigos. A ideia surgiu-me em 2007, logo depois de ter lançado uma petição para proibir canais de televisão destinados a crianças com menos de 3 anos. Foi nessa altura que imaginei a regra ‘3-6-9-12’ como um meio de responder às questões mais prementes, lembrando aos pais, de um modo fácil de memorizar, quatro chamadas de atenção: ‘3’ significa evitar deixar uma criança com menos de 3 anos em frente a uma televisão; ‘6’ não oferecer uma consola de jogos individual antes dos 6 anos; ‘9’ acompanhamento da Internet entre os 9 e os 11-12 anos; ‘12’ não deixar que a criança se ligue de forma ilimitada à Internet, quando tiver idade para navegar sozinha.”

Imagem do topo: fotografia de Serge Tisseron publicada em Yapaka.

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