É sintomático que uma grande parte do argumentário contra as redes sociais seja formulado por quem as conhece muito bem e não por aqueles que mal sabem ou ignoram o que são e para que servem. Uma das vozes que se tem pronunciado mais vigorosamente contra elas é Jaron Lanier, cientista computacional e especialista em realidade virtual, conceito que tem a fama de ter cunhado. Em Dez argumentos para sair das redes sociais imediatamente (Ten arguments for deleting your social media accounts right now. Nova Iorque: Henry Holt and Company, 2018), apresenta e explica, de modo devidamente ponderado, as razões por que as redes sociais se afiguram nefastas.
Cada um dos motivos que impõem o seu abandono imediato é uma imprecação que interpela o leitor contundentemente:
1. Estás a perder o livre arbítrio.
2. Renunciar às redes sociais é a melhor maneira de renunciar à loucura do nosso tempo.
3. As redes sociais estão a converter-te num idiota.
4. As redes sociais estão a minar a verdade.
5. As redes sociais estão a esvaziar de conteúdo tudo o que dizes.
6. As redes sociais estão a destruir a tua capacidade de ser empático.
7. As redes sociais fazem-te infeliz.
8. As redes sociais não querem que tenhas dignidade económica.
9. As redes sociais tornam impossível a política.
10. As redes sociais aborrecem a tua alma.
Para Jaron Lanier, o que nos ameaça não é a Internet, nem os smartphones; o perigo encontra-se no modelo económico das redes sociais que obtêm lucros dos clientes que estão prontos a pagar para modificar o comportamento de alguém. É por isso, diz ele, que a eficácia de uma publicidade não é aferida pela quantidade de produtos vendidos, mas pelo empenhamento dos consumidores online, ou seja, pelo modo como o comportamento deles corresponde aos apelos das marcas.
Jaron Lanier propõe, para designar o problema, o acrónimo de Behaviors of Users Modified and Made into an Empire for Rent, BUMMER. A “modificação do comportamento dos usuários posto ao serviço de um império para alugar” é trabalhada pela “máquina estatística que vive nas nuvens computacionais”. O dispositivo matemático, explica Jaron Lanier, caracteriza-se pela aquisição da atenção “para benefício dos idiotas”; por se imiscuir em todos os domínios da vida de todo o mundo; por atafulhar de conteúdos a vida das pessoas; por dirigir o comportamento das pessoas “da maneira mais sibilina possível”; por “meter dinheiro ao bolso, deixando que os piores idiotas enganem dissimuladamente todo o mundo”; e por engendrar “uma sociedade falsária”.
Por não conhecer todos os seus leitores, Jaron Lanier não pode dizer a cada um como pode sobreviver sem redes sociais, mas fornece conselhos benéficos a quem as quiser abandonar. Para começar, sugere que se use a Internet – “a Internet em si não é o problema”, reconhece. Os amigos podem ser contactados através de e-mail, sendo, todavia, necessário tomar uma precaução: usar contas cujos provedores não leiam as mensagens – “assim, nada de Gmail, por exemplo”. Também é possível continuar a ler notícias on-line. “Lê directamente sítios web de notícias (em vez de receber notícias através de canais personalizados), especialmente sites que contratem jornalistas de investigação”, recomenda Jaron Lanier, que sugere ainda que se conheça a linha editorial de cada site informativo, o que apenas é possível se a eles se aceder directamente. Ler três sites de notícias por dia permite estar mais bem informado e mais rapidamente do que se se usar as redes sociais.
Jaron Lanier, que também é músico, não é muito conhecido do grande público. Você não é um gadget (Lisboa: Arcádia, 2011) é a única obra do autor editada em Portugal. Nela, afirma que o empenho da tecnologia em ir transformando as máquinas em “pessoas” contribui para que as pessoas se transformem em máquinas. Para o autor, as tecnologias são extensões de nós próprios e as nossas identidades podem ser alteradas por uma miríade de gadgets. “É impossível trabalhar com informação tecnológica sem se ficar igualmente implicado em engenharia social”.
Escreve Jaron Lanier que, quando trabalhava com gadgets digitais experimentais como, por exemplo, novas variações em realidade virtual em ambiente de laboratório, recordava sempre o facto de que pequenas mudanças em detalhes de design digital podiam ter profundos e inesperados efeitos nas experiências que os humanos têm ao contactar com eles. “A mais leve alteração de algo aparentemente banal como a utilização de um botão pode por vezes alterar padrões de comportamento”.
Dessa experiência decorrem duas interrogações: “Se utilizo muito blogues, twitter, wikis, como é que isso muda quem sou?” e: “Se a “consciência colectiva” é a minha audiência, quem é que eu sou?”. A resposta não parece ser simples: “Nós, os inventores das tecnologias digitais, somos como comediantes no palco ou neurocirurgiões, no sentido de que o nosso trabalho se relaciona com profundas questões filosóficas; infelizmente, temos provado ultimamente ser fracos filósofos”.
O cientista computacional e especialista em realidade virtual revela o que os investigadores de tecnologias digitais pretendem. Quando, por exemplo, concebem um programa que pede para interagir com um computador como se ele fosse uma pessoa, pedem-lhe para aceitar, “num canto do seu cérebro”, que possa também ela ter sido concebida como se fosse um programa”. E “o que é uma pessoa?”, questiona Jaron Lanier. Garante ele que, se soubesse a resposta, poderia programar uma pessoa artificial num computador. “Mas não posso”, diz ele. É que “ser uma pessoa não é uma fórmula, mas uma procura, um mistério, um salto de fé”.
Imagens: https://www.jaronlanier.com/
1 Comment
Graça
11/10/2019 - 20:30Apreciei bastante o post e com o qual me identifico.
Penso que por esta ordem estamos todos a caminhar para a loucura colectiva.
Parabéns