O futuro da inteligência artificial”. Era este o título simples de um estimulante texto publicado no diário espanhol El País de 21 de Junho de 2017. O autor augurava que, graças à Inteligência Artificial, o porvir poderia ser encarado optimisticamente, ainda que, como também assinalava, as previsões eram de que esse futuro tardaria a chegar. Não seria, pois, para já que se iriam fazer sentir melhorias, por exemplo, na área da saúde.
Notava o autor que muitos especialistas no campo da Inteligência Artificial acreditavam que os cérebros humanos são apenas “máquinas extraordinariamente complexas” e que, com o tempo, a aprendizagem profunda (deep learning, se se preferir a terminologia original) conduzirá a que as máquinas se tornem capazes de fazer o mesmo que o cérebro humano. Os mesmos especialistas “também acreditam que isso demorará muito tempo a acontecer e exigirá muitos mais avanços técnicos na tecnologia da aprendizagem profunda”. O autor concluía, manifestamente esperançoso, explicando que “em qualquer sistema político que esteja dirigido por pessoas e para pessoas, a aprendizagem profunda será uma força positiva poderosa para melhorar a saúde, eliminar os trabalhos mais árduos e libertar as pessoas comuns para que desfrutem a vida ao máximo”. Auspicioso, portanto.
Agora, seis anos depois, Geoffrey Hinton – era ele o autor – mostra-se muitíssimo menos confiante. Numa notícia que teve uma significativa repercussão mundial, o diário The New York Times informou na segunda-feira que este professor catedrático de Ciências de Computação na Universidade de Toronto decidiu sair da Google, onde também trabalhava, como investigador, para poder alertar para os sérios perigos da Inteligência Artificial. Queria fazê-lo livremente sem estar sujeito a ser acusado de provocar prejuízos à empresa. É comum os inventores terem admiradores e detractores. Extraordinário é serem os criadores a instigar o alarmismo perante as suas criações. É o caso de Geoffrey Hinton.
A inquietação perante os malefícios da Inteligência Artificial tornou-se um constante tema da actualidade após ter sido lançado no final de 2022 o ChatGPT, um robot conversacional de Inteligência Artificial, que é capaz de responder a praticamente tudo. Tanto pode realizar trabalhos escolares ou apresentar dissertações académicas, como colocar-se na pele de um entrevistado, como documenta o recente caso da revista alemã Die Aktuelle, que publicou uma entrevista exclusiva com Michael Schumacher – a primeira desde que o campeão de Fórmula 1 sofreu, em 2013, nos Alpes franceses, um grave acidente de esqui com danos cerebrais irreparáveis – em que as afirmações atribuídas ao piloto tinham sido geradas pelo ChatGPT.
A tomada de posição de Geoffrey Hinton, que não tem sido isenta de críticas, havendo quem considere que, também ele, foi um dos criadores do problema, assinala um momento de viragem. Os graves receios perante os desenvolvimentos destas tecnologias já eram audíveis, mas agora não podem ser dissimulados.
Tudo parecia promissor até, pelo menos, ao momento em que, no ano passado, Geoffrey Hinton recebeu, com Yann LeCun, Yoshua Bengio e Demis Hassabis, o Prémio Princesa de Astúrias de Investigação Científica e Técnica pelo contributo prestado “ao desenvolvimento da aprendizagem profunda que implica um grande avanço em técnicas tão diversas quanto o reconhecimento de voz, o processamento da linguagem natural, a percepção de objectos, a tradução automática, a optimização de estratégias, a análise da estrutura das proteínas, o diagnóstico médico e muitas outras”. Na altura, o júri do prémio destacava ainda que o impacto actual e futuro deste trabalho no progresso da sociedade “pode ser qualificado de extraordinário”.
Desde a semana que acabou, para o cientista e psicólogo, tudo o que se apresentava como benéfico tem de ser olhado de modo radicalmente diferente. Após esta tomada de posição, há um incómodo indisfarçável entre os tecnófilos. “Estas técnicas ajudam os governos autoritários a destruir a verdade ou a manipular os eleitorados”, garantia Geoffrey Hinton ao diário britânico The Guardian de quinta-feira. Falando sobre os Estados Unidos da América, dava conta do quão problemático é ter de lidar com estas ameaças num momento em que as pessoas nem sequer se entendem para reconhecer a necessidade de impedir os adolescentes de aceder a armas de fogo.
Ao New York Times, o cientista e psicólogo, que recebeu em 2028 o Prémio A. M. Turing, frequentemente identificado como o “Prémio Nobel de Computação”, manifesta dois receios a curto prazo, o de a Internet se encontrar inundada por falsos textos, fotografias e vídeos, sem que os cidadãos sejam capazes de identificar o que é real, e o de as novas ferramentas servirem para substituir muitos trabalhadores. A longo prazo, há um temor acrescido. Estas tecnologias, aponta Geoffrey Hinton, podem supor, “inclusive, uma ameaça para a humanidade”. Os alertas devem ser tomados como apelos a mudanças de rumo.

Fotografia: AP

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