Não é um assunto que esteja nas primeiras páginas, mas é enorme a apreensão que os mais atentos têm vindo a manifestar perante a elevadíssima circulação de desinformação e de má informação – a informação parcial ou insuficientemente verificada, por exemplo. Assentes num modelo de negócio que se alimenta constantemente de paixões extremadas, as redes sociais tornam-se assaz perigosas. Lucrando com a polarização, incentivam a fúria em contextos por si só excepcionalmente violentos. É o que estão a fazer no Médio-Oriente.
Imran Ahmed, fundador e director executivo do Center for Countering Digital Hate, citado pelo diário suíço Le Temps, denuncia: “Uma vaga de conteúdos repugnantes será celebrada pelas vozes mais fortes, amplificadas por algoritmos, enquanto o resto de nós chorará. Irá fracturar as sociedades. As implicações geopolíticas são consideráveis. É o resultado de uma incapacidade colectiva mundial de enfrentar a cupidez das empresas que não se preocupam com a sociedade desde que acumulem riquezas para si próprias” [1].
A inépcia tem, de facto, existido, ainda que, por vezes, haja notícias que aparentam uma vontade de a contrariar. Como foi amplamente noticiado, Thierry Breton, o comissário europeu do Mercado Interno, numa missiva endereçada a Elon Musk, dono da rede social X, anteriormente Twitter, escreveu: “Após os ataques terroristas levados a cabo pelo Hamas contra Israel, temos indícios de que a sua plataforma está a ser utilizada para difundir conteúdos ilegais e desinformação na União Europeia”. Quando for notificado de que é isso que está a suceder, o X “deve agir de forma rápida, diligente e objectiva, e remover o conteúdo em questão quando tal se justificar”. Num esforço para interessar Elon Musk pela questão, digamos assim, Thierry Breton ameaça-o com sanções, prevendo a Lei dos Serviços Digitais europeus multas de até 6% da facturação anual da empresa infractora.
A Comissão Europeia tinha publicado em Setembro um relatório que apurou que a rede social com mais desinformação na Internet é o X, seguida do Facebook e do TikTok. O código de boas práticas, criado pela Comissão Europeia em 2018, a que as duas últimas redes sociais se mantêm vinculadas e de que o X se desvinculou, não tem sido suficiente para travar a mentira e moderar conteúdos, erradicando os que forem violentos e terroristas.
A equipa internacional de analistas do NewsGuard, empenhada na luta contra a desinformação on-line, tem identificado informações falsas ou completamente infundadas que circulam nas redes sociais a propósito do Médio-Oriente. Nos três dias seguintes ao ataque do Hamas, estas mentiras e erros obtiveram, no total, 22 milhões de visualizações no X, no TikTok e no Instagram.
Em Misinformation Monitor, uma newsletter sobre a má informação, a desinformação e as falsas informações on-line, divulgada na quinta-feira, o NewsGuard constatou que “quase três quartos das postagens mais virais no X, que transmitem informações erradas sobre a guerra Israel-Hamas, são promovidas por contas ‘verificadas’ no X” [2]. Ter uma conta “verificada” significa apenas que o utilizador pagou oito euros para adicionar um selo azul à sua conta. O termo “verificado” presta-se a equívocos porque a “verificação” não existe. Há um pagamento que faz com que o utilizador tenha as mensagens que escreve ou difunde amplificadas pelo algoritmo da rede social, mesmo que sejam falsas ou enganosas.
Evidentemente que, como o NewsGuard também identificou, há idênticas narrativas mentirosas ou infundadas sobre a situação no Médio-Oriente vastamente difundidas através do Facebook, do Instagram, do TikTok, do Telegram e de outras redes sociais. Mas a atenção centrou-se no X porque é a única plataforma que anunciou a redução dos seus esforços de moderação de conteúdos. De resto, o NewsGuard descobriu que a maioria das falsidades relacionadas com a guerra Israel-Hamas se tornaram virais no X antes de se espalharem por outras plataformas como o TikTok e o Instagram.
O NewsGuard quis saber o que o X tem a dizer sobre a abundância de mentiras que propaga. Uma resposta automática comunicou: “Estamos ocupados, agradecemos que nos avise mais tarde”. É pena. Teria sido útil escutar um comentário sobre a circunstância de as dez afirmações falsas ou sem fundamento sobre a guerra no Médio-Oriente partilhadas por contas “verificadas” no antigo Twitter e actual X terem sido vistas mais de 100 milhões de vezes em apenas uma semana e, sobretudo, sobre as severas consequências que a difusão de mentiras terá tido no acirrar do conflito.
Seja como for, convém não ignorar que a responsabilidade individual e a responsabilidade jornalística não se podem dissolver na culpa de Elon Musk.

[1] Valérie de Graffenried – “Proche-Orient: la guerre de la désinformation fait rage”. Le Temps, 11 de Outubro 2023
[2] Jack Brewster, Sam Howard e Becca Schimmel – “Les utilisateurs ‘vérifiés’ sur X produisent 74% des affirmations fausses ou sans fondement les plus virales liées à la guerre Israël-Hamas sur la plateforme”. Misinformation Monitor, Outubro de 2023

Nota sobre a fotografia do topo – As imagens de um tiro de um míssil, apresentadas na rede social X no contexto da guerra no Médio-Oriente, foram retiradas de um jogo vídeo, como constatou o Monde, num trabalho sobre as falsas imagens que circulam sobre o conflito (“Guerre Israël-Hamas : les fausses images et vidéos qui circulent depuis le 7 octobre”).

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