Carlos Romero
Jornalista

Como se anuncia para breve a abertura de uma loja? “Opening Soon”, claro.

Como se promovem vendas de ocasião a preços fantásticos? “Flash sales”, por exemplo.

Como pode um cartaz de um café promover a venda de bicas ou cimbalinos? “Take a coffee” é uma boa hipótese.

Como se aguça o apetite para uma nova colecção que está para sair? Pode ser “Worth waiting for”.

Uma ideia para promover, numa tendinha de comida rápida, quatro produtos por apenas 5€? Que tal “High Five”?.

E como designamos um espaço com produtos para crianças numa grande loja como a Fnac? “Fnac Kids”, como é óbvio.

E a secção de jogos? “Gaming”, inevitavelmente.

E como realçar que uma certa casa de comeres se distingue de outras que só vendem comida rápida e insípida? Que dizem a “Real food (for) Real People”?

E finalmente, entre milhentos outros exemplos, que frase escolheríamos para um caixilho iluminado com uma mensagem ternurenta para a nossa mais-que-tudo? Vejam se gostam: “Always kiss me goodnight”.

Tudo isto, e muito mais que aqui não cabe, foi por mim registado hoje, segunda-feira, numa curta volta de 15 minutos por um centro comercial pejado de gente mascarada. Onde? – perguntam vocês. Em Southampton? Nos arredores de Londres? Em Nova Iorque? Em São Francisco? Nada disso, caros amigos. Estes anúncios, cartazes, sinalizadores, toda esta publicidade comercial está espalhada de forma esmagadora pelas lojas e corredores do Norteshopping, em Matosinhos, terrinha que confina com a segunda cidade portuguesa, a mui nobre, leal e invicta cidade do Porto. Segundo me apercebi, mas posso estar enganado, quem circulava, conversava e comprava nas lojas do Norteshopping eram sobretudo cidadãos portugueses, nados e criados cá, com escolaridade obrigatória, cursos secundários e superiores ministrados na língua de Camões.

Portanto: a malta já não compra, vai às “sales”. Deixou de ter filhos, passou a ter “kids”. Não convida um amigo para um café, antes o desafia “let’s take a coffee?”. E por aí fora, num imenso, inusitado, disparatado e criminoso lesa língua lusitana. Na maioria dos jornais, nas redes sociais, no linguajar de café e de tasca, o português tem sofrido tratos de polé, está cada vez mais pobre, maltratado, simplificado. A última coisa que precisávamos era desta parolice de invadir o quotidiano popular com inglesices escusadas, pacóvias, disparatadas. Continuem assim, e dentro de duas ou três gerações a velha e bonita língua de Vieira, de Camilo, de Aquilino ou de Mário de Carvalho há-de transformar-se numa algaraviada incompreensível, sem pés nem cabeça, e as futuras gerações hão-de precisar de dicionários de português antigo para decifrarem os nossos criadores maiores. Um crime e uma tristeza.

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