Daniel Innerarity é professor catedrático de Filosofía Política e Social, investigador IKERBASQUE na Universidade do País Vasco e director do Instituto de Governança Democrática. É titular da Cátedra Inteligência Artificial e Democracia do Instituto Universitário Europeu em Florença. Foi professor convidado em diversas universidades europeias. De entre os seus livros publicados em Portugal, poder-se-á destacar A sociedade invisível. Como observar e interpretar as transformações do mundo actual. Nessa obra, publicada pela Teorema em 2009, Daniel Innerarity reflecte sobre um tema central do tempo presente: a atenção.

A história da aten­ção constitui um eixo explicativo de muitos fenómenos sociais, Até agora, a sociologia tem entendido preferentemente que as acções sociais que devia estudar se relacionavam, principalmente, com a mobilidade, o intercâmbio de bens ou o trabalho, mas por que não pensar a sociedade com base no modelo das acções da visão e as relações sociais como rela­ções de visibilidade? Que imagem da sociedade se formaria se, em vez de entender o trato humano como uma troca de mercadorias, o pensássemos como um intercâmbio de aten­ções?

A nova economia da atenção

O interesse em desempenhar um papel no mundo dos outros, que foi sempre um elemento central na vida dos homens, encontra actualmente grandes possibilidades de rea­lização. Nunca antes se tinham aberto caminhos tão fáceis até um público amplo, nunca antes a vaidade tinha encontrado tanta licença, nunca antes haviam sido celebradas tantas festas ao culto da atractividade, nunca antes se tinha maximizado tanto o valor de troca da atenção no olhar dos outros. O com bate pela atenção domina a cultura quotidiana em dimensões até agora desconhecidas.
Numa sociedade articulada em redor dos meios de comuni­cação, a distinção fundamental é entre a atenção e a ignorân­cia; tudo se decide na capacidade de perceber e ser percebido. Não há nada pior que passar despercebido, ser invisível. A própria existência parece incerta enquanto não é confirmada pelo olhar de outros. Mas atrair esse olhar já não é muito fácil, pois há muita concorrência e já não é garantido que se chame as atenções com a mera transgressão ou desviando-se do estabe­lecido (entre outras coisas, porque o estabelecido é que, para ser um indivíduo, todos têm de transgredir o estabelecido). São cada vez mais os que combatem por esse escasso bem que é a atenção pública: dos políticos aos que protestam mas apenas querem que se saiba que existem. “Vêem-me, logo existo” é o princípio que explica muitas operações no combate público pela atenção.

Sempre que se fala de censos da população ou de câmaras de vigilância, há alguém que recorda os sombrios presságios do “Grande Irmão” de George Orwell ou o panopticum de Bentham, que sintetizam a ameaça de uma completa supervi­são e da correspondente disciplina. Com essas metáforas, ima­ginava-se, fundamentalmente, a supervisão dos cidadãos por um estado poderoso. O que entretanto aconteceu foi que as aspirações do estado entraram em concorrência com as cres­centes possibilidades de vigilância privada, a qual se constituiu em mercado florescente em redor das técnicas da segurança. O “Grande Irmão” enfrenta hoje uma pluralidade de pequenos irmãos, e o panopticum transformou-se num synopticum no qual não são uns poucos que observam muitos mas muitos os que observam uns poucos. Como Castells recorda, o estado de hoje é mais observado que observador. Ao contrário daqueles maus prognósticos, não parece ter-se gerado o medo de ser observado, mas sim o prazer de observar. O que nos poderia preocupar não seria que nos vigiassem, mas que nin­guém olhasse para nós; contra a ideia de Foucault de que a visi­bilidade é uma desgraça, pior ainda é ser invisível. O empenho em fazer-se notar, em ser escutado e percebido, é mais forte que o ideal de ser deixado em paz. Pois quem é percebido já “não é supérfluo; numa sociedade da comunicação e da atenção, a pior das condenações é a irrelevância, a ausência de reconhe­cimento.
A construção mediática da realidade é hoje impulsionada por uma espécie de gerador da fascinação. Qualquer monta­gem cultural é um mercado da atenção e da celebridade. Com esta lógica funciona, também, o mercado dos proeminentes, que poderíamos definir como o círculo das pessoas que se caracterizam por ser conhecidas de mais gente que aquela que conhecem (Peters). A presença nos meios de comunica­ção torna possível atrair muito mais atenções que a simples presença pessoal. A proeminência consegue um ganho de atenção que vai muito mais além da mera representação.
A escassez já não é um valor exclusivamente monetário. Nem sequer no consumo material o dinheiro é o único meio de racionalização. Quando a oferta é muito grande, a percepção é difícil, e por isso o consumidor só a percebe de forma super­ficial. Na era da informação, estamos maximamente expostos a um fluxo crescente de estímulos orientados para açambarcar a nossa atenção. Mas a capacidade de prestar atenção é limi­tada, de modo que nos vemos obrigados a administrar a nossa atenção. Ninguém se pode dar ao luxo de acompanhar atenta­mente tudo o que lhe interessa. Como todos podem comunicar com todos, produz-se uma sobrecarga da atenção. Num mundo como este, o imperativo é “menos informação”. Mas quanta, e como? Herbert Simon deu a isto um nome: attention management. Quanto maior for o fluxo de infor­mação, mais peremptória será a exigência de governar a atenção com critérios económicos. A atenção desempenha aqui o papel do dinheiro; é o seu equivalente informativo.

O chamariz publicitário

A oferta luta por essa atenção. O que nos rodeia converte–se em chamariz publicitário. Onde quer que estejamos, ou onde vamos, se nos deparam coisas cuja finalidade é agarrar–nos por um braço e dizer-nos “olha para aqui!”. O que está no cume da evolução da indústria não são as máquinas e as orga­nizações, são as técnicas que produzem e canalizam a atenção. A atenção tornou-se o valor central da produção. O imperati­vo do êxito consiste simplesmente em conseguir um máximo de atenção. Este imperativo terá de ser aplicado a qualquer actividade e a qualquer produto; “desenho” e marketing são os conceitos-chave deste esforço estratégico, quer ele diga res­peito a um programa político ou a um artigo de consumo. O esmero posto na marca e no desenho dos produtos não tem a simples missão de proclamar a sua existência, mas a subtil função de fazer que eles sejam adequados para o encontro visual, para que se façam notar de uma maneira agradável. Para isso, não basta surpreender; é também preciso encenar a impressão de que o produto chamará as atenções de todos. Muito anúncios procuram chamar as atenções representando que chamam as atenções: donas de casa que são convencidas, observadores estupefactos, pessoas assombradas… Parece que o melhor procedimento para conseguir qualquer coisa consis­te em encenar o facto de tê-la conseguido – e isto também acontece nos assuntos económicos.
A organização em massa do negócio da atenção abona-se também numa mudança geral do gosto, em modificações na ordem das relevâncias sociais, perceptíveis no fenómeno de a atractividade se ter convertido no estilo do nosso tempo. A per­manente luta pela atenção torna a vida difícil a quem não tem a imagem correcta. Tudo o que tiver de ser produzido e vendi­do – e não só o que é feito expressamente para ser mostrado – deverá ajustar-se aos imperativos da sedução. A atractivida­de é o princípio de realidade.
A analogia com a lógica económica não me parece absolu­tamente exagerada (Franck). O intercâmbio de atenção também é um sistema quantitativo e quantificável. E até se pode afirmar que a atenção transformou e deixou para trás o dinheiro como moeda. A actividade económica é actualmente, acima de tudo, intercâmbio de atenção, recolha de observa­ções. A atenção adquiriu uma nova significação como recurso produtivo e fonte de lucros. Os preços não são quantidades de dinheiro, são relações. Há nisto uma certa desmaterialização do dinheiro. Também existem mercados de prestígio, proteccionismos em matéria de opinião, patrimónios de respeito acumulado, ganhos e perdas de aceitação, valor de curso da consideração, crédito de atenção acumulada. A riqueza de atenção pode ser acumulada e capitalizada, investida ou mobilizada. Há, em definitivo, uma economia da informação e dos meios de comunicação para a qual se revela muito estreita a racionalidade económica tradicional.
Assim como se pode falar de economia imaterial da aten­ção, também se pode falar do capitalismo da atenção. É ca­pitalismo porque a atenção tem uma função monetária; a “quantidade” de atenção recebida atrai a atenção. Quem é suficientemente conhecido já é considerado simplesmente por ser considerado. A sua independência em relação ao valor-trabalho torna-se manifesta no facto de o incremento de capital pressupor que nós também prestamos atenção àqueles de quem não sabemos ao certo por que motivo originariamente se lhes prestou atenção. As sociedades modernas estão organiza­das como bolsas nas quais determinados temas, rostos e pes­soas são elevados ao máximo valor mediante operações espe­culativas. E para isso não é necessário que essas pessoas tenham cometido uma infâmia exemplar ou possuam uma estupidez incomparável, que tenham obtido um êxito especta­cular ou sofrido um acidente terrível. Mais ainda: há os que são conhecidos de toda a gente precisamente porque não fize­ram absolutamente nada (Gabler). Só é célebre quem é conhecido de tal modo que o seu grau de conhecimen­to basta para garantir, de futuro, a consideração. Esta renda de atenção é capital no sentido literal, pois consiste em atenção acumulada que se remunera na forma de uma consideração independente do que se fizer. O dinheiro e a atenção têm em comum a possibilidade de capitalização. Os proeminentes são os capitalistas da atenção. O novo-rico em questões de vaida­de é o depositário da celebridade. Há gente que goza de uma forma inespecífica de atenção capitalizada. Surge, deste modo, uma dinâmica semelhante à do dinheiro. A proeminên­cia proporciona réditos e juros. O carácter de renda da rique­za de atenção resulta do simples facto de que conhecer a atrac­ção que uma pessoa exerce noutras lhe aumenta a atractividade. “Capitalização” significa que a própria riqueza “trabalha”, isto é, que o prestígio é desejado por si próprio, que a reputação se faz respeitar, que a proeminência atrai e a glória se torna irresistível.

Os meios de atenção e a encenação política

Os meios de comunicação são os principais catalizadores da atenção, os instrumentos que atraem, dirigem e orientam a atenção das massas; oferecem um quadro estável para a regu­lação das relações de visibilidade e para a distribuição da aten­ção pública. Os meios de comunicação são os bancos que con­cedem créditos de celebridade quando catapultam alguém “para o centro da atenção pública. Aparecer na televisão impli­ca receber em muitos lugares sociais a esmola da atenção. Equivale à grande bolada financeira, à possibilidade de se tor­nar famoso rapidamente. As quotas de aparição constituem um fundo de atenção possível que supera em muito as grandezas tradicionais. A notificação oficial do valor de curso de um capital pessoal é a presença dessa pessoa nos meios de comu­nicação. Por isso eles são o empório em que decorre o negó­cio de massas da atenção, a bolsa onde são valorizados os capitais pessoais.
Os meios de comunicação podem adornar alguém com a celebridade do mesmo modo que outrora os conquistadores podiam ser elevados à nobreza com a concessão de um feudo: Os meios de comunicação são os fabricantes de reis da socie­dade pós-industrial. Ninguém que deseje o poder se lhes pode furtar. Os meios de comunicação são os principais produtores da celebridade. Não existe uma proeminência objectiva que eles reflictam de modo adequado ou incorrecto. Os proemi­nentes são, pelo contrário, aqueles que aparecem nos meios de comunicação. Só porque os meios de comunicação prestam mais atenção a umas pessoas que a outras é que nos recepto­res se cria a imagem de que essas pessoas são efectivamente pessoas importantes. Não tem sentido indagar se os meios de comunicação reflectem objectivamente o que é a sociedade, mas apenas indagar de acordo com que critérios eles seleccio­nam e a que consequências conduz essa selecção. No mundo dos meios de comunicação podemos ver, segundo Luhmann, “uma cibernética de segunda ordem”: as notícias não nos informam do que acontece, mas do que outros consideram importante; não falam de gente famosa, mas fazem famosos aqueles de quem falam. Portanto, os meios de comunicação não nos informam dos acontecimentos mas sim de observa­ções. Por isso, aquilo que acontece tem de ser “mediático” para poder acontecer. Os meios de comunicação não se inte­ressam pela realidade em si, mas por como a realidade é vista por outros, como por eles é percebida. Por isso nos meios de comunicação o acontecimento é tantas vezes a própria repre­sentação; o que acontece é simplesmente uma coisa ter sido objecto de atenção. Os meios de comunicação não impõem opiniões, mas temas sobre os quais é preciso ter uma opinião, ou seja: realidades a atender.

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